sábado, 1 de setembro de 2018

Hemorragia interna

Vi-te no fim do penhasco, sozinha.
Acendi um cigarro e fiz o meu caminho ate me encontrar o mais perto de ti possível.
Acho que nem deste pela minha presença. Por algum motivo, isso nao me incomodou como deveria.

Dei-te a mão. Senti o agarrar incisivo dos teus dedos sobre os meus. Não olhamos um para o outro, não era necessário. Simplesmente mantivemos o foco preso no horizonte, de mãos dadas, cada um com um cigarro e um sem número de garrafas vazias atrás de nós. O nascer do sol incidia sobre ti, claramente envergonhado por não conseguir competir com a tua beleza.
Já tínhamos perdido a conta aos cigarros e ao álcool. Ninguém quis saber, só nós importávamos.

Enquanto continuava a fumar, aquele momento pareceu-me durar uma eternidade.
Sempre foi assim quando estava-mos sós.
Sempre desejei que o tempo parasse quando estava contigo. Naquele preciso momento, lembro-me claramente de o desejar novamente.
Foi aí que falaste: Que estranho - entoas-te, com o teu tom angelical - o meu relógio parou.
Não precisei de mais provas que o momento fosse eterno.

Senti os labios queimar. Perdido no momento, fumei o cigarro todo de tal forma que ja me magoava.
No entanto, a pior dor estava ainda para vir.

Olho para o lado e apercebo-me que estou sozinho, a minha unica companhia o maço praticamente vazio e ainda as inumeras garrafas atrás de mim. A minha mão, que achei estar presa à tua, agarrava um vazio cuja unica competição seria o vazio dentro de mim. Mão cerrada de tal forma que sangrava, mas a hemorragia interior corria de forma bem mais livre, de tal forma perigosa que me iria deixar seco, desprovido de vontade de continuar a luta.

Tal como a premonição, a vontade de lutar esfumou-se com o último trago do cigarro, ambos envoltos no frágil fumo que envolvia a manhã cinzenta.
Livre da vontade de lutar, senti-me em paz. Livre de tormentos, livre para finalmente viver como quisesse.

Tamanha era a liberdade que esbocei um sorriso. E saltei.
Não precisei de reviver momentos felizes durante a queda. Todos eles foram contigo e estavam bem cravados na minha memória, eternamente, e iriam permanecer bem além do meu eu corporal.

Ouço um berro. Apenas uma voz me faria abrir os olhos neste momento, a tua. A meio da queda, olho para o fundo pela primeira vez, e lá estavas tu, perfeita como sempre, à minha espera.

Só tu serias capaz de amparar a minha queda como o fizeste, com o mais mágico dos beijos e o mais fortes dos apertos. Sem forças, ajoelho-me perante ti, agora sim com um definitivo agarrar incisivo dos teus dedos sobre os meus.

Deixei-me afogar mal senti que finalmente teríamos um momento que era realmente eterno.

Um beijo mais puro

A solidão não tem o merecido apreço.

Procuro por respostas. Não sei se o faço da forma correcta, nem sei se procuro no sitio certo.
Por norma procuro-as no fundo da garrafa. Não as encontrando, abro outra na esperança vã que essa as terá.
Não tem.
A seguinte também não.
Isso não impede a minha teimosia de continuar na busca eterna, garrafa apos garrafa, cigarro apos cigarro.

A solidão não tem o merecido apreço. Enquanto a grande maioria de nos teme a solidão, eu acolho-a de braços abertos e coração partido. A solidão é minha companheira fiel e de mim inseparável.
Estarei realmente sozinho quando a considero a minha mais fiel companhia?
Abro mais uma garrafa para obter a resposta.
Mais um fundo inócuo, insípido e vazio.
Talvez a próxima.
Provavelmente o cigarro actual.
Quem diria, continuo nu.

A solidão não tem o merecido apreço. Só estando realmente, absolutamente e totalmente sozinho, alguém é capaz de se conhecer a si próprio.
Essa é a verdadeira merda.
A solidão apresenta o maior perigo à estabilidade emocional de cada um de nós.
Todos nós temos a imagem perfeita, a mentira, de quem achamos que realmente somos. Aquando rodeados de outros, a mentira prevalece alem do aceitavel, do humanamente possivel. Estende-se além da logica, da razão, e das leis naturais.

Porque na verdade, somos todos uns cobardes e as pessoas que nos rodeiam são cobardes também.

Eu planeio algo mais para mim mesmo. Essa é a razão pela qual acolho a solidão de braços abertos, coração partido e provavelmente bebado.
Ninguem sabe melhor do que eu quem eu verdadeiramente sou, aquilo que sou ou não capaz e o que realmente quero. Rodeado por outros, a verdadeira imagem de cada um de nós é distorcida para apelidar à mais recente mania, à pessoa mais próxima, ao caralho que o foda.

Só quando estamos sozinhos podemos ser realmente quem somos.

A solidão não tem o merecido apreço. A solidão é sinonimo de liberdade, significa que estamos livres das amarras que colocamos em nós mesmos aquando da mentira que queremos contar sobre quem somos. Sós, livres das amarras, atingimos a catarse e o expoente máximo da nossa absoluta personalidade. Somos finalmente capazes de largar a mascara que usamos na tentativa vã de pertencermos a uma sociedade que nos despreza e se livrará de nós à primeira oportunidade.

Na verdade, estamos todos sozinhos. Uns simplesmente têm noção, outros são simplesmente idiotas.

Eu dou à solidão o merecido apreço. Serei provavelmente dos poucos. Essa é uma das razões pela quais estou bastante só. Tal como disse, os outros são simplesmente idiotas e rodeiam-se de gente que odeiam na tentativa de se sentirem menos solitários e de perpetuarem a mentira sobre quem realmente são.
Escolhem viver uma mentira feliz do que uma verdade cruel.
São fracos, cobardes.

Prefiro ser o melhor eu que consigo ser do que a mentira nojenta que os outros pensam que sou.
É um caminho solitário. Mas verdadeiro.

A unica coisa que me faz questionar a minha opção é a constante hemorragia.
A dor perpetua.
A escuridão constante.

Questiono-me se a opção estará correcta.
Sem resposta, abro outra garrafa.
Que surpresa, o fundo desta encontra-se desprovido de respostas.

Provavelmente a próxima.